TJ-SP introduz medidas contra litigância predatória, enfrentando 330 mil processos e impacto financeiro de R$ 2,7 bilhões anuais

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Estudos conduzidos pelo Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demandas (Numopede) do Tribunal de Justiça de São Paulo analisaram os prejuízos da litigância predatória em relação à movimentação processual e à estimativa de custo para o erário, baseados em dados de 2016 a 2021. Conforme estimativas extraídas desses estudos, a movimentação predatória gerou aproximadamente 330 mil processos no estado, com impacto de cerca de R$ 2,7 bilhões por ano, além dos custos indiretos gerados para as partes. A demanda predatória é caracterizada pelo ajuizamento de ações massificadas, qualificadas por elementos de abuso de direito ou fraude. “Demanda predatória não é demanda repetitiva, é natural que tenhamos demandas de massa. O que temos que coibir são as demandas artificialmente produzidas ou que utilizam meios ilícitos”, explica o corregedor-geral da Justiça, desembargador Francisco Eduardo Loureiro. 

Atenta a essa questão que afeta todo o Judiciário, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo idealizou o curso “Poderes do juiz em face da litigância predatória”, com o objetivo de delimitar tecnicamente o fenômeno e debater o tema, culminando com a aprovação de 17 enunciados. O curso foi realizado em parceria com a Escola Paulista da Magistratura, nas modalidades presencial e online, com a participação de mais de 600 pessoas. Na primeira etapa, em abril, desembargadores, juízes e assistentes inscritos acompanharam exposições sobre o conceito da litigância predatória e os efeitos processuais. Também debateram medidas de enfrentamento do uso abusivo do Poder Judiciário, a fim de assegurar a preservação da eficiência e do efetivo acesso à Justiça. No segundo encontro do curso, que ocorreu no dia 14 de junho, as propostas selecionadas por uma comissão foram votadas pelos magistrados inscritos no curso, sendo 17 delas aprovadas. Os enunciados são entendimentos que podem servir de parâmetro para decisões futuras, a fim de auxiliar na padronização dos julgados, mas não têm aplicação obrigatória. 

Enunciados:  

1. Caracteriza-se como predatória a provocação do Poder Judiciário mediante o ajuizamento de demandas massificadas, qualificadas por elementos de abuso de direito ou fraude.  

2. A identificação de indícios de litigância predatória justifica a mitigação da presunção de veracidade da declaração de hipossuficiência, bem como a determinação de comprovação dos requisitos do art. 5º, LXXIV, da CF, para a obtenção da gratuidade.  

3. Ante a suspeita de omissão abusiva de dados bancários relevantes à análise do pedido de gratuidade, é dado ao magistrado, com base no poder de direção do processo, determinar à parte a juntada do Registrato, ou promover de ofício o acesso ao sistema Sisbajud e outros sistemas de busca patrimonial, notadamente em se tratando de possível litigância predatória.  

4. Identificados indícios da prática de abuso de direito processual, em cenário de distribuição atípica de demandas, é recomendável a adoção das boas práticas divulgadas pelo Numopede, notadamente providências relacionadas à confirmação da outorga de procuração e do conhecimento efetivo do outorgante em relação à exata extensão da demanda proposta em seu nome, inclusive mediante convocação da parte para comparecimento em juízo.  

5. Constatados indícios de litigância predatória, justifica-se a realização de providências para fins de confirmação do conhecimento e desejo da parte autora de litigar, tais como a determinação da juntada de procuração específica, inclusive com firma reconhecida ou qualificação da assinatura eletrônica, a expedição de mandado para verificação por Oficial de Justiça, o comparecimento em cartório para confirmação do mandato e/ou designação de audiência para interrogatório/depoimento pessoal.  

6. A fragmentação artificial de pretensões em relação a uma mesma obrigação, contrato ou contratos sucessivos configura a prática de abuso de direito processual, justificando a reunião das ações perante o juízo prevento para julgamento conjunto ou a determinação de emenda na primeira ação para a inclusão de todos os pedidos conexos, com a extinção das demais.  

7. Em caso de fracionamento abusivo de demandas, reunidas ou não por conexão, a fixação de honorários sucumbenciais em favor de quem deu causa ao fracionamento será feita de modo a impedir que sejam arbitrados valores superiores àqueles que seriam fixados caso não houvesse o fracionamento.  

8. Em caso de indeferimento da petição inicial, o magistrado poderá cientificar a parte contrária do conteúdo da demanda. 9. Não pode ser admitido o ajuizamento de ações revisionais totalmente genéricas, que se limitam a invocar teses. O contrato deve acompanhar a inicial, pois não é logicamente possível sustentar a ilegalidade de cláusulas de negócio jurídico cujo teor se desconhece, de modo a caracterizar litigância predatória.  

10. Havendo suspeita por parte do Juízo de que se trata de ação de natureza predatória relacionada à prestação de serviço em domicílio, tais como energia elétrica, água e gás, em que se alega a inexistência de relação jurídica, caberá à parte autora declinar o local em que residia no período cujo débito é impugnado, com a devida comprovação documental.  

11. A admissibilidade de ação declaratória de inexigibilidade de débito lastreada na prescrição da pretensão de cobrança, proposta em razão de anotação em plataforma de negociação de dívidas, é condicionado, sob o enfoque do interesse de agir, à comprovação de prévio pedido administrativo de exclusão do apontamento ao órgão mantenedor do cadastro e do banco de dados, não atendido em prazo razoável.  

12. Identificado o uso abusivo do Poder Judiciário, o juiz condenará o autor às penas por litigância de má-fé (arts. 80 e 81 do CPC). A multa, quando aplicada antes da citação, será devida ao Poder Público, com possibilidade de inscrição na dívida ativa (art. 77, § 3.º, do CPC).  

13. O cancelamento da distribuição (art. 290 do CPC) e todas as outras hipóteses de extinção do processo não afastam a exigibilidade da taxa judiciária (art. 4.º, I, da Lei Estadual n. 11.608/2003).  

14. Para fins de fixação equitativa de honorários sucumbenciais, em conformidade com o art. 85, § 8º-A do CPC, os valores recomendados pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil consubstanciam mero referencial, despido de caráter vinculativo.  

15. Nos termos do art. 104 do Código de Processo Civil, é cabível a responsabilização direta do advogado pelas custas, despesas e sanções processuais, inclusive por litigância de má-fé, nos casos em que a procuração e o desejo de litigar não forem ratificados pela parte autora, notadamente em cenário de litigância predatória.  

16. Em ações de obrigação de reparar unidade autônoma de imóvel, com características de litigância predatória, justifica-se o sobrestamento da causa, até que o autor comprove a provocação do fornecedor à correção do vício, sem êxito, no prazo legal, não incidindo verba honorária caso cumprida a obrigação legal. 

 17. O fracionamento abusivo de demandas implica prevenção do juízo ao qual distribuída a primeira ação. No Tribunal, da câmara para a qual distribuído o primeiro recurso.