Por meio da Solução de Consulta COSIT nº 128, publicada no DOU em 13/05/2024, a Receita Federal afirmou ser tributável a operação de troca de imóvel residencial por unidades comerciais futuras de incorporadora.
O consulente buscou o enquadramento de sua operação, que envolvia imóvel no qual se encontra edificado um prédio residencial, como permuta, visando o afastamento da incidência de ganho de capital para pessoa física, nos termos do art. 132, II, §1º do RIR/2018. É que referido dispositivo afirma, em linhas gerais, que serão excluídas na determinação do ganho de capital, para fins de incidência do Imposto de Renda (IRPF), a permuta exclusivamente de unidades imobiliárias, sem recebimento de torna (parcela complementar em dinheiro). Para tanto, equipara a permuta às operações quitadas de compra e venda de terreno, acompanhadas de confissão de dívida e de escritura pública de dação em pagamento de unidades imobiliárias construídas ou a construir.
Na consulta em questão, a Receita concluiu que, ainda que se esteja diante de uma operação quitada de compra e venda de imóvel, acompanhada de confissão de dívida e de escritura pública de dação em pagamento de unidades imobiliárias, ao caso não seria aplicável a equiparação de que trata o RIR/218, vez que o objeto da operação seria um imóvel residencial, sendo a normativa restrita à alienação de terreno, embasando o entendimento no art. 111, inciso II, do CTN, que afirma que a legislação tributária deve ser interpretada literalmente no que dispor sobre outorga de isenção.
Assim, concluiu não ser cabível a exclusão da tributação para o caso em consulta, mantendo a incidência do imposto sobre o ganho de capital, de acordo com as regras gerais aplicáveis às operações de alienação de bens imóveis realizadas por pessoas físicas.
Nesse sentido, cumpre destacar que essa interpretação restritiva da Receita Federal não leva em consideração, na nossa interpretação, a razão de ser do art. 132, II, §1º do RIR/2018. Ora, ainda que, no âmbito do Direito Tributário, aplique-se uma interpretação restritiva da legislação, não se deve ou, ao menos, não se deveria deixar de levar em consideração a vontade do legislador ao criar determinado dispositivo legal, de modo a possibilitar a correta aplicação do texto legal.
Isso porque a lógica do art. 132, II, do RIR/2018 ao excluir da determinação do ganho de capital, as permutas de unidades imobiliárias sem o recebimento de torna, teria fundamento na ausência de acréscimo patrimonial e, portanto, de receita a tributar, e não na natureza destes imóveis, vez que a ausência de torna pressupõe valores contábeis idênticos em relação ao imóvel recebido e ao imóvel dado em permuta, em consonância com a jurisprudência do STJ, conforme julgado transcrito.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ERRO MATERIAL. IRPF. PERMUTA DE IMÓVEIS. INEXIGIBILIDADE. 1. O valor decorrente do recebimento de imóveis dados como parte do pagamento nas operações de permuta de imóveis não se enquadra no conceito de receita bruta. 2. Não há justificativa para a inclusão destes valores na base de cálculo do IRPF. 3. Sanado erro material. (TRF-4 – APL: 50086451520174047200 SC 5008645-15.2017.4.04.7200, Relator: ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Data de Julgamento: 19/08/2020, PRIMEIRA TURMA).
A própria RFB, inclusive, entendeu em casos semelhantes de permuta que, inexistido acréscimo patrimonial, não existiria receita e, portanto, a operação não seria tributável, independente da natureza do imóvel envolvido.
Portanto, ao comparar, para fins de não incidência de imposto de renda, as permutas às operações quitadas de compra e venda de terreno, acompanhadas de confissão de dívida e de escritura pública de dação em pagamento de unidades imobiliárias construídas ou a construir com a permuta exclusivamente de unidades imobiliárias, sem recebimento de torna, o raciocínio dado ao art. 132, II, §1º deveria ser o mesmo do inciso II, ou seja, focar na ausência de receita a tributar, e não na natureza do imóvel transacionado.
Observe que o art. 132, II, traz como exceção à não tributação, apenas, imóveis rurais com benfeitorias, sugerindo, a contrario sensu, que se aplicaria nos casos de imóveis urbanos com benfeitorias, caso contrário, pensando de maneira lógica, essa ressalva também teria sido feita em relação a imóveis urbanos.
Assim, a interpretação divergente, trazida pela RFB na resposta à consulta, cria, ao nosso ver, um regramento contraditório, distante do propósito do art. 132, II, §1º do RIR/2018 e da jurisprudência do STJ, não considerando a dinâmica do mercado atual. Tal fato certamente provocará o aumento da judicialização do tema, hipótese em que provavelmente o poder judiciário decidirá em favor do contribuinte, tal como ocorreu nos demais casos de permuta, considerando a ausência de ganhos.
Por Lanna Araújo