Um planejamento adequado na abertura de novos negócios é fundamental para evitar qualquer contratempo ao iniciar um novo empreendimento, entretanto, um fator que muitas vezes é negligenciado pelo empreendedor, mas de extrema importância, é a análise antecipada dos débitos de energia elétrica no ponto comercial escolhido, quando será explorado a mesma atividade econômica no local.
Muito se desconhece, mas essa análise prévia pode evitar problemas futuros e assegurar uma transição adequada ao iniciar a exploração da atividade econômica. Ao realizar essa análise, o responsável se resguarda perante as possíveis dívidas de consumo de energia elétrica contraídas pelo antigo proprietário durante suas operações e evita o risco de ter seu pedido negado pelas distribuidoras.
Sabe-se que os débitos decorrentes do fornecimento de energia elétrica geralmente são considerados uma obrigação pessoal (propter personam), não estando diretamente vinculados à titularidade do imóvel, mas sim à vontade de receber o serviço e ao beneficiário do serviço prestado.
No entanto, é importante destacar que existem exceções em que esses débitos podem ficar vinculados ao imóvel (propter rem), ou seja, em razão da coisa. Uma dessas exceções é quando ocorre uma sucessão comercial, situação em que o novo responsável não pode se eximir da obrigação de quitar dívidas mesmo que tenham sido contraídas antes da sucessão.
Com o objetivo de prevenir casos como esse, a ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica – se preocupou em regular as situações de sucessão comercial, abordando o assunto em sua Resolução 1.000/2021, mais especificamente no capítulo das restrições do inadimplemento, no Artigo 346, Inciso II.
Art. 346. Quando o consumidor e demais usuários solicitarem os serviços dispostos nesta Resolução, a exemplo de conexão nova, alteração de titularidade, religação, aumento de carga e a contratação de fornecimentos especiais, a distribuidora não pode exigir ou condicionar a execução:
II – houver continuidade na exploração da atividade econômica, com a mesma ou outra razão social, firma ou nome individual, independentemente da classificação da unidade consumidora e demais instalações. (grifos nossos)
Essa regulamentação tem como objetivo evitar fraudes em que a troca de titularidade é solicitada com o propósito de evitar o pagamento do saldo devedor de energia elétrica consumida, alegando que são empresas distintas, com finalidades diversas.
Para que essa sucessão seja considerada válida, é necessário que haja continuidade na atividade econômica, independentemente de manter o nome empresarial ou realizar alterações nesse aspecto.
Durante esse processo, se for identificado que o novo empreendimento irá exercer a mesma atividade da empresa anterior, com os mesmos objetivos sociais, operando no mesmo endereço comercial e utilizando as mesmas instalações, a empresa sucessora deve assumir a responsabilidade pelas dívidas contraídas pela empresa sucedida durante suas operações.
Esse foi o entendimento do Tribunal de Justiça de Pernambuco ao julgar o recurso apresentado pelo escritório no processo número 0039670-52.2016.8.17.2001.
(DIREITO DO CONSUMIDOR. ALTERAÇÃO DE TITULARIDADE E RELIGAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. DÉBITOS PRETÉRITOS NÃO PAGOS. SUCESSÃO COMERCIAL COMPROVADA. RESTRIÇÃO AO RELIGAMENTO. CONDUTA PERMITDA PELA ANEEL. ART. 128, §1º,I,II, RESOLUÇÃO 414/2010).
A suspensão do fornecimento de energia elétrica e o condicionamento de religação da unidade consumidora baseado em sucessão comercial nada mais é que o exercício regular de um direito pela Concessionária, regularmente previsto na “Seção III – Das restrições e do Acompanhamento do Inadimplemento”, da Resolução Normativa 414/2010 da ANEEL. Neste contexto, a CELPE se desincumbiu do ônus de demonstrar que houve sucessão comercial (art. 373, II, do CPC/2015), o que enseja a aplicação da exceção prevista no art. 128, §1º, incisos I, II, da Resolução 414/2010.Pelo exposto, voto no sentido de DAR PROVIMENTO ao apelo, para reformar totalmente a sentença, julgando improcedentes os pedidos autorais. (TJPE, Apelação Cível Nº 0039670-52.2016.8.17.2001, Sexta Câmara Cível, Rel. Des. Fábio Eugênio Dantas de Oliveira Lima, DJ: 26/11/2020)
Nesse sentido, o Colendo Superior Tribunal de Justiça também fixou o entendimento de quando há a caracterização da sucessão empresarial:
A caracterização da sucessão empresarial fraudulenta não exige a comprovação formal da transferência de bens, direitos e obrigações à nova sociedade, admitindo-se sua presunção quando os elementos indiquem que houve o prosseguimento na exploração da mesma atividade econômica, no mesmo endereço e com o mesmo objeto social.” (AgInt no REsp 1874250/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020).
Por essa razão, é de suma importância realizar uma análise prévia dos débitos de energia a fim de evitar complicações. Mesmo que a empresa não possua qualquer vínculo com o antigo proprietário, caso este detenha débitos de energia elétrica e haja intenção de prosseguir com a mesma atividade econômica, a nova empresa será responsável por tais dívidas caso solicite a transferência de titularidade ou a reativação do fornecimento de energia.
A situação também está prevista no artigo 1.146 do Código Civil:
O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento
E também de forma semelhante no Código Tributário Nacional, em seu artigo 133:
A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato
Em resumo, a análise antecipada dos débitos de energia elétrica em um novo empreendimento é crucial para evitar problemas futuros. Ao identificar e assumir as dívidas existentes, o empreendedor pode evitar negativas das distribuidoras e garantir uma transição tranquila na exploração da atividade econômica.