Em março de 2024 foi sancionada pelo presidente da República a Lei 14.833/2024, que insere um parágrafo ao artigo 499 do Código de Processo Civil.
Este artigo, cujo caput não sofreu alterações em sua redação original, prevê, sinteticamente, que a conversão de uma obrigação da fazer em perdas e danos dar-se-á somente a pedido do autor, se impossível o cumprimento da tutela ou pela impossibilidade de obtenção da tutela pelo resultado prático equivalente.
Em outras palavras, para que haja a conversão da tutela em perdas e danos, necessário se faz um pedido expresso por parte do autor (interessado) ou mediante informação prestada pelo réu acerca da impossibilidade de cumprimento da obrigação ou da obtenção do resultado prático equivalente.
Este trecho da lei não sofreu modificações e mantem-se em sua integralidade.
Ocorre que, com a inserção do parágrafo único ao artigo 499, quis o legislador garantir que, antes da conversão da obrigação de fazer – ou de não fazer – em perdas e danos (valores pecuniários) – deve o magistrado intimar o devedor, responsável pelo cumprimento da obrigação, para que este, no prazo designado, cumpra a tutela.
A novidade trazida pelo legislador diz respeito à necessidade de intimação prévia do devedor para cumprimento da obrigação imposta como requisito prévio para conversão da obrigação em perdas e danos. Por trazer um comando imperativo, não enxergamos possibilidade de interpretação no sentido de que esta intimação tratar-se-ia de uma faculdade por parte do magistrado, mas de uma imposição legal.
A abrangência desta novidade legislativa, por sua vez, não é totalmente ampla, uma vez que o legislador restringiu esta prévia intimação do réu às hipóteses de responsabilidade contratual e, de forma ainda mais específica, para as hipóteses de vícios redibitórios (art. 441, CC); contratos de empreitadas (art. 618, CC) e contratos de seguro (art. 757, CC). Dispõe, ainda, a redação do novo parágrafo único que a prévia intimação para cumprimento da obrigação pode se dar nas hipóteses de responsabilidade subsidiária ou solidária.
Desta forma, algumas considerações nos parecem importantes para melhor entendimento. A primeira está na delimitação das situações em que este parágrafo poderá ser invocado, restringindo a sua aplicação para hipóteses de responsabilidade contratual e, mais ainda, para as hipóteses de vício redibitório, contrato de empreitada ou contrato de seguro. Logo, à primeira vista, o rol de hipóteses de aplicação se mostra taxativo.
No que diz respeito às hipóteses de responsabilidade solidária ou subsidiária, a interpretação sistemática da redação trazida induz à conclusão de que este parágrafo teria aplicação quando a responsabilidade solidária ou subsidiária decorre de obrigação imposta em virtude de relação cujo objeto são os contratos acima mencionados.
Ainda que o texto não mencione de forma expressa, entendemos que o disposto no novo parágrafo único não tem aplicação no sistema dos juizados especiais, uma vez que na Lei 9.099/1995, há previsão expressa no sentido de que o arbitramento das perdas e danos se dará de forma imediata.
Art. 52. A execução da sentença processar-se-á no próprio Juizado, aplicando-se, no que couber, o disposto no Código de Processo Civil, com as seguintes alterações:
V – nos casos de obrigação de entregar, de fazer, ou de não fazer, o Juiz, na sentença ou na fase de execução, cominará multa diária, arbitrada de acordo com as condições econômicas do devedor, para a hipótese de inadimplemento. Não cumprida a obrigação, o credor poderá requerer a elevação da multa ou a transformação da condenação em perdas e danos, que o Juiz de imediato arbitrará, seguindo-se a execução por quantia certa, incluída a multa vencida de obrigação de dar, quando evidenciada a malícia do devedor na execução do julgado;
Logo, considerando que, no rito dos juizados, há previsão expressa regulando a temática e, ainda, tratando-se de lei especial, o parágrafo único do artigo 499 do CPC não teria aplicação no procedimento sumaríssimo, não havendo, desta forma, obrigação do magistrado de intimar – novamente – o réu para dar cumprimento à obrigação imposta, antes da conversão em perdas e danos.
Em outras palavras, no Juizado Especial Cível (JEC), a conversão ocorre de forma imediata, assim que a obrigação é descumprida, desde que haja pedido expresso neste sentido. Pelo Código de Processo Civil (CPC), a parte deve ser intimada novamente (segunda chance) para cumprir a obrigação, sob pena de conversão. Dada essa disposição explícita na Lei 9.099/1995, por ser uma legislação especial, entendemos que o novo dispositivo não afetaria a redação original, mantendo-se, portanto, em plena vigência.
Nosso entendimento é no sentido de que o parágrafo único do artigo 499 do CPC se aplica a contratos de consumo, ainda que o CDC não tenha sido expressamente mencionado no texto legal.
Porém, necessário frisar que os tribunais podem adotar uma interpretação restritiva da norma, aplicando-a somente para os casos de relações ordinárias (não consumeristas) por falta de expressa previsão legal neste sentido (“silencio eloquente da lei”).
Não obstante, a aplicação da nova legislação está vinculada, a nosso sentir, para casos de compra e venda de bens de consumo, não tendo aplicação para hipóteses de prestação de serviços regidas pelo CDC, já que o artigo 441 do Código civil versa sobre vício redibitório sobre produto, não havendo menção para a prestação de serviços, o que conduz ao entendimento de que, para serviços, o parágrafo incluído pela Lei 14.833/2024 não teria aplicação.
Dessa forma, a inclusão do parágrafo único ao artigo 499 do CPC oferece ao devedor uma “segunda chance” para cumprir a obrigação imposta em decisão judicial antes da conversão automática em perdas e danos. Anteriormente, essa conversão ocorria automaticamente quando a obrigação não era cumprida no prazo estipulado. Essa alteração garante maior eficácia às decisões judiciais, pois o cumprimento da obrigação é a medida principal, enquanto a conversão em perdas e danos é uma alternativa secundária.
Compreendemos que, em diversas situações práticas, o cumprimento da obrigação de fazer dentro do prazo estipulado na decisão, muitas vezes não condiz com o tempo necessário para a execução do ato. Isso pode ser prejudicial ao devedor que, mesmo com a intenção de cumprir a obrigação imposta, enfrenta dificuldades para fazê-lo na velocidade exigida pelo comando judicial. A conversão em perdas e danos, frequentemente, acaba sendo excessivamente prejudicial ao devedor.
Com a implementação do novo dispositivo, o devedor terá uma oportunidade adicional para cumprir sua obrigação, diminuindo o risco de incorrer em despesas desnecessárias durante o processo. Isso evita que, devido a pequenos atrasos, todos os custos relacionados ao cumprimento da obrigação sejam desconsiderados e a obrigação de fazer seja convertida em pagamento em dinheiro.
Feitas essas considerações, entendemos que a alteração legislativa é benéfica, pois evitará que o devedor seja surpreendido com a conversão da obrigação de fazer em perdas e danos por atrasos mínimos. Isso garante maior segurança e, de certa forma, mais tempo para que as obrigações não pecuniárias possam ser adimplidas.
Por fim, ressaltamos que a necessidade de nova intimação, nos casos previstos pelo parágrafo único, não exclui a possibilidade de imputação de multa astreinte, para o caso de atraso no cumprimento da obrigação, cujo prazo será contado desde a primeira notificação.