A Relevância da Tutela Pré-Arbitral no Direito Marítimo

1 INTRODUÇÃO

O acesso à justiça é visto como uma garantia constitucional de proteção, meio de afirmação e efetivação de direitos individuais, coletivos, sociais e políticos, consagrados em face do Estado Democrático de Direito, por meio da Constituição Federal.

Assim, atua como direito de todos de dispor de instrumentos necessários à efetivação de seu direito lesado ou ameaçado. Isso, pois, está ligado ao reconhecimento e à efetividade dos direitos e das garantias fundamentais, bem como dos princípios constitucionais do processo.

Nessta senda, a Constituição precisa estar em conformidade com os interesses, as aspirações e os valores de um determinado povo em determinado momento histórico. Dessta forma, a Constituição não representa uma simples positivação do poder; é também uma positivação de valores jurídicos“.[1].

Com bem pontua Peter Haberle, uma das principiais características das Constituições democráticas é o pluralismo, pois essas são compostas de normas que denotam as ideologias contrapostas. A Carta Constitucional é composta de normas advindas de pontos de vista políticos, aparentemente até opostos, tentando sintetizar concepções. A pluralidade está presente, ainda, nas formas de interpretação constitucional, pois todos estão aptos a oferecer alternativas de interpretação. [2].

Há muito tempo a jurisdição estatal deixou de ser o único mecanismo à disposição das partes para resolver controvérsias relativas à violação ou ameaça de violação de direitos. Em meio a um Poder Judiciário abarrotado de processos, foi preciso inovar a legislação nacional para permitir a adoção de alternativas que também pudessem ser utilizadas na equalização de problemas jurídicos.

Como visto o acesso à justiça não se resume ao acesso ao Poder Judiciário. Na verdade, esste princípio pode ser efetivado por órgãos alternativos, privados ou relacionados com o Poder Público, com alto conhecimento técnico e comprometimento necessário para solucionar a questão com imparcialidade e respeito aos demais princípios do processo.

Não é apenas o Poder Judiciário que exerce a jurisdição, ou seja, nem toda decisão definitiva acerca de uma controvérsia jurídica, só pode ser exercida por este órgão.[3].

Em 1996, foi oficialmente iniciado o processo de abertura do Estado Democrático de Direito brasileiro a soluções alternativas de resolução de conflitos, passando-se a admitir que as partes pudessem se valer da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

Gladys Alvaréz enumera como objetivos das formas alternativas de solução de conflitos: minimizar o acúmulo de processos nos tribunais,; reduzir os custos da demora,; incrementar a participação da comunidade nos processos de resolução de conflitos,; facilitar o acesso à justiça; e fornecer à sociedade uma forma mais efetiva de resolução de conflitos.[4].

A arbitragem, regida pela Lei nºo 9.037, de 23 de setembro de 1996, é um meio alternativo de solução de conflitos, por meioatravés do qual as partes elegem uma terceira pessoa, cuja decisão terá o mesmo efeito que a solução jurisdicional, pois é impositiva para as partes.[5]. Não há como olvidar, ainda, do Tribunal Arbitral do Esporte (TAS), de 17 de maio de 2007, da Lei do Comércio e da Lei nºo 2180/1954 (Tribunal Marítimo).

Atualmente, mais de 80% (oitenta por cento) da resolução dos conflitos mercantis entre empresas de grande médio porte na econômica globalizada já é feita por mediações privadas e arbitragens extrajudiciais.

A democracia alterou a forma de defender as normas, de maneira que, atualmente, não se torna pertinente indagar quais normas são válidas para os seres humanos, mas, sim, quais são mais benéficas e que devem ser respeitadas.[6].

No vasto e complexo universo do Direito Marítimo, as disputas surgem frequentemente, envolvendo partes de diferentes jurisdições e questões intrincadas de comércio internacional. A arbitragem tem se consolidado como um mecanismo eficiente para a resolução dessas controvérsias, oferecendo celeridade, especialização e uma certa neutralidade que os litígios nos tribunais nacionais frequentemente não conseguem proporcionar.

O Direito Marítimo está intimamente ligado ao desenvolvimento econômico e social regional, nacional e internacional. Ademais, o reaquecimento da indústria naval em face da construção de plataformas petrolíferas e de novos estaleiros, bem como do desenvolvimento da navegação de cabotagem, fará com que cada vez mais surjam novas demandas especializadas envolvendo o Direito Marítimo.

O Brasil é um País maritimamente privilegiado, contando com uma costa de 8,5 (oito vírgula cinco) mil quilômetros navegáveis, em que o transporte marítimo responde, atualmente, por mais de 80% (oitenta por cento) do comércio mundial de mercadorias e se constitui como fator imprescindível na globalização. O transporte aquaviário se consubstancia, então, como um fator fundamental na economia mundial, além de estar inteiramente ligado a questões ambientais e sociais.

Ocorre que, não raras vezes, os litígios marítimos demandam uma atuação extremamente urgente. A volatilidade e mobilidade dos ativos marítimos, como embarcações e cargas, bem como a natureza internacional das operações, exigem respostas rápidas e eficazes para evitar prejuízos substanciais.

Nessta senda, importante rememorar o risco enorme de perecimento do direito:

Muitos direitos se perdem porque seus titulares não estão dispostos a lutar por eles, conscientes de que nenhum proveito concreto lhes trará a proteção judiciária tardia, ou, até, de que os ônus e sofrimentos da perseguição do direito sobrepujarão o benefício de sua conquista.[7]

Entra em cena, então, a tutela pré-arbitral, procedimento previsto pela Lei nº 13.129/2015, que permite a utilização da jurisdição estatal brasileira enquanto o juízo arbitral não é formado, possibilitando, assim, a adoção de medidas capazes de garantir que a execução da sentença arbitral seja eficaz.

Cumpre registrar que este artigo foi elaborado seguindo o método dedutivo, partindo-se das premissas até a conclusão. A escolha pelo método dedutivo está embasada no fato de esste método possibilitar que a investigação parta de um fato-problema, que a hipótese seja criada pelo pesquisador e seja desenvolvida por meioatravés de etapas, até a dedução de consequências preditivas.

Dessta forma, é possível indicar a validade e confiabilidade da conclusão, bem como possibilitar sua réplica. Ainda, o método de procedimento escolhido é o monográfico, com o uso de doutrina específica, publicações em periódicos, monografias e, pesquisas de dados estatísticos sobre o tema. Portanto, considerado o método dedutivo adotado, a constatação da veracidade das premissas permite atestar, pelos encadeamentos lógicos realizados com argumentos condicionais, a verdade da conclusão.

O presente artigo tem o propósito de esclarecer a relevância da a tutela pré-arbitral, enquanto mecanismo processual, na prática da advocacia marítima, reconhecendo a competência da justiça brasileira, ressaltando os seus principais aspectos, como aplicabilidade, limites, recorribilidade, entre outros.

12 APLICABILIDADE DA TUTELA PRÉ-ARBITRAL

Importante pontuar que Cappelletti e Garth ressaltam que o mais importante da terceira onda de acesso à justiça é a substituição da justiça contenciosa por aquela denominada de justiça coexistêncial, baseada em formas conciliatórias.[8].

Até, pois, questões altamente técnicas não devem ou podem ser entregues à solução de juízes de direito, que, para solucioná-las, vão louvar-se em peritos, sendo mais lógico que sejam resolvidas por técnicos, integrantes de tribunais arbitrais. Essta onda, em suas vertentes, direcionou a especialização técnica dos tribunais, com o foco de atenção nos tipos de demandas que, em grande medida, provocaram as três ondas de reforma para possibilitar melhor acesso à justiça.[9].

As soluções alternativas mais utilizadas pelos reformadores foram o juízo arbitral, a conciliação e os incentivos econômicos para a solução dos litígios fora dos tribunais. Foi com fulcro na importância dos diversos fatores e das barreiras envolvidos, que instituições foram desenvolvidas e efetivadas.

Segundo Carlos Alberto Carmona, a arbitragem constitui a técnica de solução de controvérsias pela intervenção de uma ou mais pessoas que recebem os seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nessta convenção sem intervenção do Estado, onde a decisão assume a eficácia de sentença judicial.[10].

A arbitragem é uma forma alternativa de composição de litígio entre partes. É a técnica, pela qual o litígio pode ser solucionado, por meio da intervenção de terceiro (ou terceiros), indicado por elas, gozando da confiança de ambas. Com a assinatura da cláusula compromissória ou do compromisso arbitral, a arbitragem assume o caráter obrigatório e a sentença tem força judicial.

A Lei de Arbitragem nºo 9.307, de 23 de setembro de 1996, viabiliza a garantia de acesso à justiça, isso, pois, a Constituição deve ser interpretada em conjunto com as normas infraconstitucionais.

O Código Civil permite a instituição do compromisso judicial e extrajudicial, para resolver litígios entre pessoas que podem contratar. Não admite, contudo, o compromisso para solução de questões de estado, de direito pessoal de família e de outras que não tenham caráter estritamente patrimonial.[11].

Como se percebe, a arbitragem tem caráter amplo, não só como instrumento de solução de controvérsias, mas também como alternativa de descongestionamento dos órgãos estatais.

Dessta forma, as partes interessadas em utilizar a arbitragem como forma de solução de seus litígios deverão formalizar a sua intenção por meio de cláusula compromissória, inserida no próprio contrato, ou por meio de compromisso arbitral, instrumento apartado pelo qual uma parte dá ciência à outra de sua intenção de iniciar o procedimento.

Respeitadas as formalidades previstas na Lei nº 9.307/1996, as partes têm certa liberdade para convencionar a forma como será instituída a arbitragem, podendo, inclusive, aderir às regras de algum órgão arbitral institucional ou entidade especializada.

Embora a arbitragem seja geralmente considerada um método mais rápido para resolver disputas em comparação ao Poder Judiciário, o procedimento arbitral pode enfrentar atrasos em sua fase inicial devido a diversos fatores, o que gera um risco de perecimento do direito, com destaque ao âmbito marítimo.

Cita-se, como exemplo, a dificuldade das partes em chegar a um consenso sobre quem deve atuar como árbitro, particularmente em casos de alto valor ou complexidade. Da mesma forma a possibilidade de haver um tempo de espera adicional para que o órgão arbitral institucional processe a solicitação de arbitragem, nomeie os árbitros e organize a administração inicial do caso.

Esses fatores podem fazer com que o procedimento arbitral leve tempo para ser formalmente iniciado, mesmo sendo um método projetado para ser mais rápido e eficiente do que o processo judicial tradicional. Assim, embora a arbitragem ofereça diversas vantagens, como especialização, confidencialidade e celeridade, os desafios na fase inicial precisam ser considerados e gerenciados para garantir a eficácia desse método alternativo de resolução de disputas.

Seja qual for a dificuldade enfrentada na instauração do procedimento arbitral, havendo a necessidade de adoção de medidas urgentes no Brasil, com o objetivo de garantir o resultado prático daquele processo, a parte com receio de lesão iminente ao seu direito poderá requerer ao juízo estatal a concessão de medida cautelar ou de urgência pré-arbitral, com base no art.igo 22-A da Lei nº 9.307/1996, antes mesmo do pedido de instauração.

De acordo com Luiz Antônio Scavone Júnior[12],

[(]) assim o é em razão das características do procedimento de instalação da arbitragem, de resto mais moroso que a simples propositura de ação judicial. Pelo menos no momento da instauração do processo, o procedimento judicial é mais célere, de tal sorte que, antes da instituição da arbitragem, não podem os contendores, que firmaram convenção de arbitragem, ficar à mercê de tutela jurisdicional urgente.

O procedimento se assemelha àquele adotado no Código de Processo Civil (CPC) para a tutela antecipada ou cautelar antecedente, devendo a parte requerente demonstrar a probabilidade do seu direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo arbitral. Segue as regras ordinárias de jurisdição e competência, devendo a sua petição inicial obedecer aos ditames do art.igo 319 do CPC.

Diferentemente do que ocorre na tutela de urgência antecedente ordinária, em que o deferimento do pedido enseja à parte a obrigação de deduzir o pedido principal do processo, iniciando o procedimento comum, no caso da tutela pré-arbitral, o deferimento implica no dever de a parte requerer a instauração da arbitragem em até 30 (trinta) dias da data da decisão, sob pena de perda da eficácia da medida concedida (art.igo 22-A, parágrafo único, da Lei nº 9.307/1996).

23 O LIMITE DA COMPETÊNCIA DA JURISDIÇÃO BRASILEIRA

A tutela pré-arbitral foi regulamentada no Brasil por meio da Lei nº 13.129/2015, que acrescentou o Capítulo IV-A à Lei de Arbitragem, com seus únicos dois artigos: o 22-A e o 22-B. Seguindo uma constância presente na própria Lei nº 9.307/1996, os referidos dispositivos legais previram como marco principal para o início e o fim da competência do juiz togado a instituição da arbitragem: (I) De acordo com o art.igo 22-A, a tutela pré-arbitral poderá ser requerida “antes de instituída a arbitragem”; (II) De acordo com o art.igo 22-B, uma vez “instituída a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário”.

Entender o porquê da utilização do verbo “instituir” em vez de “instaurar” é importante, na medida em que, no mundo arbitral, tais expressões não podem ser utilizadas como sinônimos, representando, cada uma delas, uma etapa diferente do procedimento. Semanticamente e de acordo com o dicionário brasileiro de língua portuguesa, “instaurar” significa “dar início a; estabelecer, formar, fundar, instalar”, atrelando-se à ideia de iniciar algo que não existia anteriormente, enquanto “instituir” significa “pôr em andamento; estabelecer, fundar”, estando ligada à ideia de estabelecer algo de forma oficial ou formal.

A Lei nº 9.307/1996 é silente sobre o que seria o ato de instaurar a arbitragem, mas o seu art.igo 7º regulamenta o seu procedimento de início no caso de resistência de uma das partes, deixando claro que a instauração equivale ao pedido feito por uma das partes ao centro de arbitragem para que dê início ao procedimento, com a formalização do caso e nomeação do árbitro (único) ou do tribunal arbitral (mais de um árbitro).

Já o ato de instituir a arbitragem conta com disposição expressa no art.igo 19 da Lei de Arbitragem, que prevê a sua efetiva instituição “quando aceita a nomeação pelo árbitro, se for único, ou por todos, se forem vários”.

Com efeito, deve-se interpretar os artigos. 22-A e 22-B da Lei nº 9.307/1996 sistematicamente com o art.igo 19 da mesma lei, para considerar que a eficácia da tutela pré-arbitral concedida pelo Poder Judiciário se mantém mesmo após o requerimento de instauração da arbitragem e até que haja a sua efetiva instituição, com a aceitação do encargo pelo árbitro ou pelo tribunal arbitral.

Qualquer momento diverso da aceitação da nomeação pelo árbitro ou pelo tribunal arbitral não pode ser interpretado como instituição da arbitragem para fins de cessação da jurisdição pública. Casos como a nomeação de um árbitro interino para análise do pedido de tutela de urgência arbitral ou a indicação, por uma das partes, de seu árbitro para compor o tribunal arbitral não podem ser igualados à instituição, devendo ser compreendidos como atos relativos ao procedimento de instauração.

34 A RECORRIBILIDADE DA DECISÃO NA TUTELA PRÉ-ARBITRAL

Na sistemática da tutela de urgência antecipada antecedente, estabelecida no Capítulo II, do Título II, do CPC, a não interposição do recurso pela parte prejudicada ensejará a estabilização da tutela, conforme o caput do art.igo 304. Isso significa que o pedido principal não precisará ser formalizado e os efeitos da tutela antecipada concedida serão preservados até que a parte interessada ingresse com demanda específica para revê-la, modificá-la ou invalidá-la, no prazo de 2 (dois) anos (art.igo 304, §§ 2º e 5º, do CPC).

Embora a tutela pré-arbitral utilize o procedimento previsto para as tutelas de urgência antecedentes do CPC, não se pode falar em estabilização nesse caso. A ideia de definitividade da tutela pré-arbitral concedida pelo juízo estatal colocaria este em posição de destaque em relação ao juízo particular, que foi eleito pelas partes como o competente para a solução de suas controvérsias.

Em última análise, a estabilização da tutela pré-arbitral implicaria em violação à autonomia da vontade das partes e permitiria que um juízo incompetente decidisse o mérito da causa, o que é motivo de nulidade até mesmo no processo judicial.

Mesmo não havendo possibilidade de estabilização, em caso de deferimento da tutela pré-arbitral, a doutrina majoritária acertadamente entende não ser possível a interposição de agravo de instrumento pela parte não requerente da medida, em virtude do parágrafo único do art.igo 22-B da Lei nº 9.307/1996. O aludido dispositivo reserva exclusivamente ao juízo arbitral já instituído a competência para manter, modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário, de sorte que “ao inconformado com a concessão não restará alternativa senão requerer a instauração da arbitragem e a revogação ou a modificação da tutela antecipada ao árbitro [(])” (SCAVONE JR., 2018, p. 184).[13].

A interposição de agravo de instrumento, nesse caso, careceria do pressuposto recursal intrínseco do cabimento, sendo medida impositiva o seu não conhecimento, como já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo:

Arbitragem. Agravo de instrumento. Medida cautelar em curso no Judiciário. Instauração do tribunal arbitral, o que se caracteriza pela aceitação de sua nomeação pelos árbitros indicados pelas partes. As medidas cautelares em curso na Justiça só podem ser revistas, para serem mantidas, alteradas ou revogadas, naquela jurisdição extrajudicial. E, do mesmo modo, novas medidas cautelares deverão ser dirigidas ao tribunal arbitral. Lei 9.307/1996, arts. 19, 22-A, 22-B e seu parágrafo único. A pendência de questão acerca da submissão à arbitragem de terceiros, também ela incumbe aos árbitros: Kompetenz, kompetenz, arts. 8º e 20 da Lei de Arbitragem. Recurso de que se não conhece, falecendo competência do Judiciário para o que pretende a parte recorrente.

(TJSP, AI: 20469090820198260000/ SP, 2046909-08.2019.8.26.0000, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel.ator: Cesar Ciampolini, Data de Julgamento: 17./04./2019, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 08./05./2019) (grifo nosso).

Note-se que a vedação à interposição de agravo não alcança, por óbvio, a parte requerente da tutela pré-arbitral, que, em caso de negativa, poderá se utilizar da via instrumental (art.igo 1.015, inciso I, do CPC) para revertê-la. Nessa hipótese, havendo deferimento no Tribunal, o prazo de 30 (trinta) dias para a instauração da arbitragem se contará a partir da decisão monocrática ou do acórdão prolatado.

45 O DESTINO DA TUTELA PRÉ-ARBITRAL

O procedimento da tutela pré-arbitral regulamentado pela Lei nº 13.129/2015 foi concebido para existir de forma temporária, enquanto o juízo arbitral não é oficialmente formado com a aceitação da nomeação pelo(s) árbitro(s). Tanto é assim que o parágrafo único do art.igo 22-A da Lei de Arbitragem impõe à parte requerente o dever de, no prazo de 30 (trinta) dias da data da decisão que defere a medida antecipada ou cautelar, instaurar a arbitragem, ou seja, requerê-la a quem a cláusula compromissória ou o compromisso arbitral previu como competente para dirimir os seus conflitos. Não o fazendo, a tutela perde a sua eficácia e o direito da parte voltará à situação de perigo que justificou o seu requerimento em um primeiro momento.

A comprovação do pedido de instauração da arbitragem é requisito para a manutenção da eficácia da decisão que deferiu medida antecipada ou cautelar, mas não implica cessação da jurisdição nacional, que só acontecerá com a instituição da arbitragem nos moldes do art.igo 19 da Lei nº 9.307/1996. É possível, portanto, que o processo siga o seu curso natural curso, com a prolação de sentença ratificando a tutela antecipada ou cautelar inicialmente deferida.

Instituído, enfim, o juízo arbitral, os autos do processo judicial lhe serão remetidos no estado em que se encontram, cabendo ao árbitro ou ao tribunal arbitral decidir sobre a manutenção, modificação ou revogação da tutela de urgência deferida (art.igo 22-B da Lei nº 9.307/1996), em respeito ao princípio da competência-competência.[14].

Pode-se questionar a respeito dos ônus da sucumbência no caso de tutela pré-arbitral, sendo o entendimento jurisprudencial vigente e majoritário no sentido de que a sua distribuição deve ser realizada pelo juízo estatal caso o processo chegue à fase de prolação de sentença ou acórdão. Todavia, havendo a instituição da arbitragem na pendência do processo judicial preparatório, a definição dos consectários da sucumbência seguirá a sorte do processo, sendo encaminhada ao juízo arbitral, a quem caberá decidir sobre a sua distribuição, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

CONFLITO POSITIVO. AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA DE ARBITRAGEM. SUCUMBÊNCIA. VERBA HONORÁRIA. APELAÇÃO. POSTERIOR INSTAURAÇÃO DO PROCEDIMENTO ARBITRAL. COMPETÊNCIA PROVISÓRIA DA JUSTIÇA COMUM. CESSAÇÃO IMEDIATA. SUPERVENIENTE DECLINAÇÃO DA COMPETÊNCIA. ACESSÓRIO QUE SEGUE A SORTE DO PRINCIPAL. TRÂNSITO EM JULGADO. AUSÊNCIA. JUSTIÇA COMUM E ÓRGÃO ARBITRAL. 1. O ajuizamento prévio de medidas urgentes perante a Justiça Estatal conta com previsão expressa na Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996), com a redação dada pela Lei 13.129/2015, cujo art. 22-B dispõe que instituída a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário. 2. Hipótese em que instaurada a arbitragem quando pendente de julgamento apelação contra a sentença que julgara o processo cautelar, de forma que cabível a remessa dos autos ao tribunal arbitral, competente para o julgamento da causa, inclusive para dispor acerca dos consectários da sucumbência. 3. Os honorários de sucumbência somente se incorporam ao patrimônio do advogado após o trânsito em julgado da decisão que os fixou, o que não ocorreu na espécie em que pendente de julgamento a apelação, cujo exame foi transferido para o tribunal arbitral, reconhecido como competente por ambas as partes para o exame do mérito da causa. 4. Conflito conhecido para declarar a competência do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá CAM/CCBC.

(STJ, CC: 165678/ SP, 2019/0129774-2, 2ª Seção, Relªator: Min.istra Maria Isabel Gallotti, Data de Julgamento: 14./10./2020, S2 – SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: REPDJe 12./11./2020, DJe 03./11./2020) (grifo nosso).

56 APLICAÇÃO DA TUTELA PRÉ-ARBITRAL NO DIREITO MARÍTIMO

A tutela pré-arbitral visa garantir que o objeto do litígio permaneça intacto e que os direitos das partes sejam preservados até que o tribunal arbitral esteja constituído e possa deliberar sobre o mérito da disputa. Na lide marítima, essa necessidade é amplificada pela mobilidade dos navios e pela natureza perene das operações marítimas, onde o tempo é um fator crucial.

A utilização da tutela pré-arbitral ganha relevância no Direito Marítimo em casos como o de inadimplemento de contrato internacional em que uma das partes é pessoa física ou jurídica estrangeira ou residente no exterior, cuja garantia de execução da obrigação é representada pela própria carga adquirida, pela embarcação que a transportou até o Brasil ou por eventuais garantias financeiras que possam existir. Mesmo que o contrato marítimo preveja a arbitragem como método de solução de conflitos, antevendo qualquer dificuldade na sua instituição que possa comprometer o seu direito, poderá ser requerida, perante o Poder Judiciário, tutela pré-arbitral para se determinar, por exemplo, o arresto da embarcação, o sequestro de cargas ou a penhora de bens e direitos, conforme o caso.

A utilização da tutela pré-arbitral no âmbito marítimo também encontra respaldo em convenções internacionais e regras institucionais de arbitragem, como as Regras da London Maritime Arbitrators Association (LMAA) e as Regras da Câmara de Comércio Internacional (ICC).

Em síntese, a tutela pré-arbitral no Direito Marítimo é uma ferramenta essencial para assegurar a efetividade e a integridade do processo arbitral, especialmente em um setor onde a rapidez e a internacionalidade das operações exigem soluções céleres e eficazes. A legislação brasileira, alinhada às melhores práticas internacionais, oferece um mecanismo robusto para que as partes possam proteger seus direitos de forma adequada até a constituição do tribunal arbitral, contribuindo para a segurança jurídica e a previsibilidade nas relações comerciais marítimas.

7 CONCLUSÃO

A tutela pré-arbitral desempenha um papel crucial no Direito Marítimo, garantindo que as disputas sejam resolvidas de maneira eficaz e justa, sem que as partes sofram danos irreparáveis durante o processo. Ao assegurar a preservação de ativos e a integridade do litígio, essas medidas fortalecem a arbitragem como um mecanismo confiável para a resolução de controvérsias no setor marítimo.

O futuro do Direito Marítimo e da arbitragem está intrinsecamente ligado à capacidade de adaptação e aprimoramento das medidas pré-arbitrais. A cooperação internacional e a harmonização das legislações processuais são passos fundamentais para consolidar a eficácia dessas medidas, promovendo um ambiente jurídico seguro e previsível para as partes envolvidas em disputas marítimas.

Dessa forma, a tutela pré-arbitral não é apenas uma ferramenta processual, mas um pilar essencial para a justiça e a eficiência na resolução de conflitos no Direito Marítimo, refletindo a necessidade de proteção e segurança em um campo tão dinâmico e globalizado.


[1] CANOTILHO, J.osé J.oaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. rev. Coimbra: Almedina, 1993. p. 111.

[2] HABERLE, Peter. Hermenêutica constitucional – A sociedade aberta dos interpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da constituição. Poro Alegre: Sérgio Antonio Fabris,: 1997. p. 43.

[3] BASTOS, C.elso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 213.

[4] ÁLVAREZ, G.ladys S. et al. Mediación y justicia. Buenos Aires: Delpalma, 1996. p. 37.

[5] MORGADO, I.sabele Jacob. A arbitragem nos conflitos de trabalho. São Paulo: LTr, 1998., p. 31.

[6] BENHABIB, Seyla. The legitimacy of human rights. 2008 by the American Academy of Arts & Sciences,. pp. 98/99.

[7] GRECO, Leonardo. O acesso ao direito e à justiça, p. 12. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em: 31 maio. 2024. p.12.

[8] CAPPELLETTI, Mauro. Problemas de reforma do processo civil nas sociedades contemporâneas. In: MARINONI, L.uiz G.uilherme (org.). O processo civil contemporâneo. Curitiba: Juruá, 1994.

[9] CAPPELLETTI, M.auro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sérgio Antonio FabrisOp. Cit., 1988. pp. 66/67.

[10] CARMONA, C.arlos Alberto. Arbitragem e processo: comentários à Lei nº. 9.307/96. São Paulo: Atlas, 2009. p. 33.

[11] MALUF, C.arlos A.lberto Dabus. In Novo Código Civil comentado. Coordenação:do por Ricardo Fiúza, com a participação do Jurista Mário Luiz Delgado Regis. 1. ed. São Paulo:, Saraiva, 1ª. Ed., 2002.

[12] SCAVONE JUNIOR, L.uiz Antonio Scavone. Manual de arbitragem: mediação e conciliação. 8. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2018., p. 183.

[13] SCAVONE JUNIOR, L.uiz Antonio Scavone. Manual de arbitragem: mediação e conciliação. 8. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2018., p. 184.

[14] SPENGLER, F.abiana M.arion; SPENGLER NETO, T.heobaldo Spengler (ed.).  Mediação, conciliação e arbitragem: artigo por artigo: de acordo com a Lei nº 13.,140/2015, Lei nº 9.,307/1996, Lei nº 13,105/2015 e com a Resolução nº 125/2010 do CNJ (emendas I e II). FGV Editora, 2016.

Autor

Igor Zanella