INTRODUÇÃO
Por que há antes o dever ser e não o ser?
A pergunta é provocativa e, em certa medida, se entrelaça com a evolução[3] histórica do Estado Jusnaturalista ao moderno Pós-Positivista.
Em rápida síntese, lembremo-nos de que a teoria naturalista, que remonta ao Século XVI e tem por principais referências Hugo Grócio (1583-1645), Thomas Hobbes (1588-1679) e Pufendorf (1632-1694), fundamenta-se na existência de preceitos de justiça que independem da normatização realizada pelo Estado. A validade do direito é condicionada aos ideais de justiça e ética, sendo jurídicas apenas as normas justas, seja à luz vontade de Deus (corrente teológica), seja à luz da razão (a partir do Século XVII).
Já o positivismo, que surge com o Estado liberal após a revolução francesa e tem em Hans Kelsen (1881-1973) seu principal defensor, apresenta-se como uma alternativa científica à abstração e à relatividade da teoria anterior. Kelsen reduz o direito à validade, dele expurgando o conteúdo moral e axiológico[4]. A validade do direito independente de ideais de justiça, sendo o direito válido o direito posto, podendo ocorrer a validade até mesmo do direito injusto[5]. É a ratificação da máxima dura lex, sed lex, a lei é dura, mas é a lei. Assim,
enquanto para um jusnaturalista clássico teria, ou melhor dizendo, deveria ter, valor de comando só o que é justo, para a doutrina oposta é justo só o que é comandado e pelo fato de ser comandado. Para um jusnaturalista, uma norma não é válida se não é justa; para a teoria oposta, uma norma é justa somente se for válida.[6]
Logo as diversas barbáries praticadas sob a proteção e o arcabouço da legalidade, a exemplo das atrocidades promovidas durante as duas grandes guerras e os regimes totalitários (nazismo e fascismo), trouxeram a teoria jusnaturalista de volta ao debate jurídico e filosófico. Desenvolveu-se, então, uma dogmática baseada em princípios, o pós-positivismo. Incorporou-se ao direito positivo, por meio de princípios constitucionais, preceitos éticos de justiça e valores antes alijados do sistema jurídico, entrelaçando o jurídico e o moral, em busca do justo para todos.
O fato é que, ainda no pós-positivismo, e não obstante seus inequívocos avanços no que tange à maior aproximação do direito às realidades e demandas sociais, há uma necessária pretensão de construção ficcional do bom cidadão médio, de como ele deve ser.
Historicamente, seja à luz da vontade divina, seja da racionalidade, seja, ainda, da ciência jurídica, o direito, a cidadania e o Estado moderno nascem e se desenvolvem a partir da construção abstrata dessa persona.
O nivelamento da complexidade da identidade e da pluralidade da sociedade é, portanto, premissa do direito positivo, ainda no pós-positivismo. E ele ocorre, naturalmente, segundo o entendimento, a experiência, a cultura e a história daqueles que têm o poder e ditam as regras. Ou seja, baseia-se em uma visão eurocentrada e suas imposições categorizantes quanto a raça, classe, gênero e sexualidades, por exemplo. É sob esse enquadramento histórico-epistemológico machista, branco, cis e heteronormativo que se reconhece quais vidas realmente importam para o Estado e para o direito.
Como consequência, muitos indivíduos não se reconhecem no sistema político-normativo posto, enviesado, por mais abstratamente inclusivo que pretenda se apresentar. Melhor registrando, por ele não são reconhecidos. Ao reduzir as complexidades, o direito produz também desigualdades, apresentando-se excludente e injusto. O dever ser, então, desconsidera, ignora o ser real e as diferenças de classe social, raça, gênero, orientação sexual, idade, habilidade, cultura, educação, dentre tantas outras. São exemplos de pessoas que escapam da composição política e normativa das sociedades modernas ocidentais mulheres e homens negros e pobres, mulheres e homens negros travestis, mulheres e homens negros com deficiência, homossexuais pobres e indígenas, mulheres e homens trans negros, pessoas não-binárias negras e pobres, dentre inúmeros outros. São indivíduos que, simplesmente por serem, independentemente de seu comportamento, fogem à norma, diferenciam-se do padrão, tornam-se marcados. Contrariam aquilo que é esperado, o dever ser. A eles, com base em princípios fundados na própria igualdade, relega-se o não-direito, dificulta-se o acesso à justiça, a bens e serviços.
É com base em tais regras homogeneizadas, frias e excludentes que o Estado exerce sua jurisdição e decide sobre o destino das pessoas. É um monólogo vertical e impositivo caracterizado por respostas prontas, em sua maioria binárias (procedência ou improcedência, vencedor ou perdedor, certo ou errado, tem direito ou não tem direito) e desinteressadas em relação ao real conflito e às reais demandas das pessoas, em sua real identidade e subjetividade, e da sociedade, em sua efetiva pluralidade.
Segundo Bittar[7], essa perspectiva da prática científica, neutra e imparcial, refletida no direito, esvazia a dimensão interativa, espontânea e natural das relações humanas. Para Warat[8], a verdade existente entre as pessoas é fruto dos diálogos, do nosso autêntico ser, enquanto a verdade da ciência nos afasta de nós na medida que nos impede de duvidar das coisas, de indagar, de conversar e de correr o risco do desconhecido.
Assim, para os autores, o direito e o Estado parecem não se desincumbir de suas finalidades com êxito. Não há efetividade em sua justiça. Não alcançam as pessoas e nem revelam o cuidado necessário para promover seu desenvolvimento.
Para Bittar,
Como ciência, o direito, ao se imunizar da contaminação das aflições do injusto, o alimento fundamental de toda necessária demanda por justiça, converte-se em um conjunto de fórmulas conceituais que, divorciadas da realidade sensorial, projetam-se como conhecimento na dimensão de uma mente que não possui corpo e não se relaciona a corpos humanos de indivíduos vivos de cujas necessidades reais deveria se alimentar a legitimidade do próprio sistema jurídico. Por isso, o conhecimento do direito se torna frio e estéril, formal e formular, abstrato e conceitual, no lugar de humano e sensível, dialógico e reflexivo, socialmente vocacionado. As pessoas passam a ser referidas neste discurso como “partes”, ou como “sujeitos de direito”, e a perda de significação da totalidade da experiência permite uma simplificação notória ao discurso científico, que junto consigo carrega também a esterilização da sensibilidade com as questões humanas. O próprio discurso é, portanto, a sede deste tipo de inconscientização da anestesia da sensibilidade humana em torno de questões humanas. Assim, ao longo da formação jurídica, não somente corpo se divide de alma e mente, como também o direito de divide da sociedade, como a denunciar a perda do próprio espírito da ação pro sociate inerente ao exercício do direito. Estas dicotomias são, portanto, reveladoras da presença majoritária de uma cultura centrada na masculinidade e na frieza calculista da razão. [9]
E isso, registre-se, em um momento social crítico, de extrema polarização, intolerância e desigualdade. Gustin, há quinze anos, alertava:
A pobreza e a indigência de praticamente metade da população que vive na América Latina, em especial no Brasil, nega a existência de direitos humanos para todos e, muito mais, demonstra que a aplicação desses direitos é desigual e injusta. O discurso, genericamente aceito, de que os direitos humanos são para todos e que já foram inclusive constitucionalizados pela maioria dos países, parece conspirar contra evidências não apenas estatísticas, mas visíveis e incontestes na conjuntura atual dos países periféricos. A pobreza e a degradação humanas estão aí e o mundo do Direito e o sistema-mundo parecem desconhecê-las.[10]
É nesse contexto que a mediação tem sido concebida, dentre os métodos de resolução de conflitos, como alternativa inclusiva, afetiva e emancipatória para os indivíduos mantidos à margem do direito positivo posto. Considera-se que ela resgata no direito uma paixão que não se fundamenta nos fatos, na racionalidade fria e calculada, nem em paradigmas jurídicos, mas em uma devoção de busca permanente para se concretizar uma ação justa[11].
A mediação, assim, permite a reabilitação da sensibilidade e do respeito ao humano em suas diversas formas de ser. Aparece como uma via de resistência aos modelos jurídico-institucionais verticalizados de poder e controle, apta a viabilizar a criação participativa de novas soluções e modelos efetivamente satisfativos aos envolvidos, ainda em diferentes e em inicial assimetria de poder.
É entendida, portanto, como um método inclusivo de resolução de conflitos, que, independentemente do dever ser instituído, percebe, valoriza e confere autonomia ao ser, em sua identidade, diversidade e complexidade, resgatando-lhe da segregação para um caminho de acesso à efetiva justiça, a direitos, bens e serviços.
2. A MEDIÇÃO COMO MÉTODO INCLUSIVO DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
É uníssono que a mediação é um método alternativo (à jurisdição estatal) de resolução de conflitos, não adversarial, em que as pessoas (físicas e jurídicas) recorrem a um (ou mais, no caso da co-mediação) terceiro imparcial, neutro e capacitado (o mediador) para auxiliá-las e estimulá-las a, através do diálogo, da criatividade e da intercompreensão, construir uma solução consensual e satisfatória, preservando-se (ou restabelecendo-se) a relação entre elas.
As suas diversas escolas[12], ainda que divirjam em relação a determinados aspectos, como a forma de perceber e endereçar o conflito, convergem quanto à “busca pela mudança interior, através do privilegiamento dos sentimentos dos envolvidos, com o objetivo de transformar as relações nas quais aqueles mesmos sentimentos sejam a base do conflito”[13].
Assim, conforme asseverado por Braga Neto, “a mediação de conflitos não visa pura e simplesmente o acordo. Visa, antes, como já dito, construir soluções a partir de mudanças ou movimentos pessoais dos participantes em direção ao seu fortalecimento e ao reconhecimento mútuo” [14]. Pretende preparar as partes para esse reconhecimento recíproco, em que diferentes possam manter suas identidades, salvaguardar suas diferenças, e, ainda assim, conviverem pacificamente, ou solucionar questões de modo a manter suas boas relações[15].
Segundo as lições de Warat[16], a mediação é um espaço que promove elos de união e alteridade. É um processo do coração, pois necessário se faz sentir o conflito e não pensar sobre o seu significado proposto. É um método de resolução de conflitos em que não se determinam verdades, ainda que científicas ou jurídicas, nem as grita, mas revela um significado poético, afetuoso, que sussurre suas palavras aos ouvidos das pessoas. É “uma nova disposição para entender o mundo e nossos vínculos nele”[17].
A mediação, portanto, adequa-se ao modelo de justiça idealizado para a humanização do Direito, que, nas palavras de Dias e Chaves Júnior[18], abre caminho para que as pessoas continuem o progresso de suas autoconsciências e autossuperação. E mais, ainda segundo os autores, põe em relevo o valor da pessoa, de sua dignidade e liberdade, da solidariedade humana como construção de uma comunidade de destino, como instrumento de realização do bem comum.
Assim caracterizada, a mediação representa a principal alternativa de acesso a direitos e, por conseguinte, à justiça, pelas pessoas e comunidades invisibilizadas e excluídas pelas abstrações hegemônicas e homogeneizadas do sistema jurídico positivo das sociedades modernas, como as outrora mencionadas. Ao preparar os sujeitos para gerir seus conflitos, assegura a participação e a pluralidade na busca por soluções justas para eles, bem como os capacita para uma atuação crítica no espaço cívico, fortalecendo o exercício da cidadania e a promovendo a emancipação social[19].
E mais,
Na medida em que a Mediação de Conflitos promove um diálogo voluntário por meio do qual os participantes têm a possibilidade de compreender as razões do outro e da própria origem do conflito, abre-se um espaço de reconhecimento mútuo, ao mesmo tempo em que permite compreender a estrutura desigual e injusta, à qual, muitas vezes, estão ambos submetidos. Essa percepção pode conduzir a uma igualdade de direitos e deveres sociais, que se constrói dialeticamente no processo de comunicação não violenta […].[20]
Ainda em um contexto de significativa desigualdade de poder (econômico, social, legal de educação, dentre outros), a mediação se afigura inclusiva e emancipatória. Ao garantir aos envolvidos lugar e tempo de fala, bem como promover reconhecimento e alteridade, ela viabiliza equilíbrio e equidade para a construção de soluções satisfatórias às reais aspirações do justo pelos envolvidos. Oferece, aos mais e menos vulneráveis, condições similares de acesso à efetiva justiça.
Para Nicácio[21],
Os casos abrem margem, cada um à sua medida, para que a mediação tente cumprir com a tarefa tripartida que anunciamos mais acima, qual seja, a de aliar à administração de um conflito, o potencial autônomo de indivíduos e grupos e o equilíbrio entre pretensões que se justificam tanto sob o espectro da igualdade como da diferença.
A mediação, assim, por ser um método alternativo de resolução de conflitos baseado no diálogo, no afeto, no reconhecimento recíproco e na intercompreensão, alheio e resistente aos conceitos jurídico-positivos hegemônicos das sociedades modernas ocidentais, apresenta-se como uma efetiva via de acesso ao direito e à justiça por parte das pessoas e comunidades historicamente alijadas e imperceptíveis ao sistema, ou seja, como um instrumento inclusivo de acesso a direitos.
2.1. O papel (inclusivo) do mediador
Reconhece-se que o potencial inclusivo da mediação decorre sobremaneira da função específica do mediador, facilitador que auxilia as partes a encontrarem solução sem lhes propor decisões, impor-lhes critérios ou lhes tentar persuadir.
O mediador, inclusivo, despe-se de verdades instituídas, ainda que científicas e jurídicas; abstrai crenças, valores e dogmas desenvolvidos pelo Estado moderno; não perquire, nem mesmo intimamente, a correção ou erro das partes; aproxima-se da abstenção. Isso porque lhe cabe estabelecer um “mundo comum”[22], sem julgamentos, para estreitar as interações humanas inseridas no conflito e “ajudar as partes a examinarem seus interesses e necessidades, de forma a negociar uma troca de promessas, com a definição de um relacionamento mutuamente satisfatório e que corresponda aos padrões de justiça de ambos os indivíduos.”[23]
O mediador, portanto, ocupa um lugar de acolhimento, “de amor, não de poder, diferente, portanto, do juiz e do árbitro.”[24] Desempenha um papel que promove não o seu ego, nem o seu empoderamento, mas o respeito e o protagonismo das partes, garantindo-lhes voz, autonomia e autodeterminação.
Observe-se que, dentre suas atribuições[25], tem especial relevância a facilitação e a contribuição para o estabelecimento de uma comunicação aberta, clara e direta entre as partes. Aqui, além de oferecer-lhes suficiente tempo de fala, ele, como registrado por Warat[26], vê o problema com os olhos do amor, renuncia às máscaras, aos jogos, criando um ambiente em que sejam efetivamente valorizados os diversos modos de ser. Assim, todas as partes são respeitadas e reconhecidas em seu lugar de fala, em sua alteridade, e, além da explorarem seus interesses e seus conflitos interiores, conhecem e refletem sobre o outro, em sua diferença, colocando-se em seu lugar. A escuta ativa, detalhada, que pressupõe o silêncio e a atenção, é um importante aliado, tanto para as partes promoverem a auto escuta, como a escuta recíproca.
Outra característica inclusiva do mediador é a de, ao ajudar a geração de opções de solução, estimular as partes a considerarem os critérios de justiça de ambas (não necessariamente do direito) e não consagrarem soluções que ignorem e anulem os sentimentos e anseios de uma delas.
O mediador tem, portanto, papel fundamental para que as partes consigam se mover do conflito para o amor, transformando o seu sentimento e reconstruindo simbolicamente sua relação, reconhecendo o outro em sua alteridade, como igualmente (em sua diferença) merecedor de direitos e de justiça, construindo soluções criativas e satisfatórias para todos.
3. UMA ANÁLISE COMPARATIVA COM OS OUTROS MÉTODOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
Cediço que a crise paradigmática da jurisdição estatal, consequência da insatisfação dos cidadãos em relação às respostas jurídicas até então existentes, ocasionou, na segunda metade do Século XX, o surgimento de métodos alternativos de resolução de conflitos. Além da mediação, deve-se registrar a arbitragem, a conciliação e a negociação, que, juntos com a jurisdição estatal, compõem o sistema de justiça multiportas[27].
Embora cediço que os outros três métodos alternativos de resolução de conflitos promovam algum nível de melhoria e otimização em relação à jurisdição estatal[28], a mediação deles se distancia justamente por, como já mencionado, antes de objetivar a resposta para o conflito (seja por decisão, seja por acordo), preocupar-se com as pessoas envolvidas e a transformação da relação conflituosa. Busca reconhecer e respeitar as partes em sua real e concreta complexidade e diversidade, bem como transformar os sentimentos e ressignificar os vínculos, para que, então equilibradamente empoderadas, decidam sobre seus destinos, construindo soluções justas em sua própria concepção, independentemente do direito posto.
Sob esse aspecto, aplicam-se à arbitragem idênticas ponderações às formuladas em relação à jurisdição estatal. Trata-se de método adversarial e verticalizado de resolução de conflitos, em que o árbitro, terceiro, julga com base no direito positivo, calcado, como visto, em padrões homogêneos hegemônicos excludentes. Ou seja, na perspectiva explorada pelo presente trabalho, o procedimento ocorre de maneira similar ao da jurisdição estatal, substituindo-se apenas o juiz pelo árbitro. Adicione-se ao exposto a circunstância de que a jurisdição arbitral não contempla os economicamente vulneráveis, dado os elevados custos envolvidos.
Na conciliação, embora se reconheça a maior autonomia das partes, igualmente existe a figura do terceiro imparcial ativo, que, focado em concluir o conflito, embora não decida, oferece e sugere soluções baseadas no direito positivo e na sua percepção sobre o caso. À luz dos padrões dogmáticos e com base em seus valores, formados a partir das verdades institucionais construídas pelo Estado moderno, o conciliador avalia e sugere soluções. Mais uma vez a pluralidade, a relação das partes e o conflito não são profundamente trabalhados de forma a garantir aos vulneráveis reconhecimento e acesso a direitos e a justiça.
Por fim, a negociação “transforma o processo em um acordo de interesses patrimoniais”[29]. O objetivo é, também por esse método, a obtenção de solução para o litígio, privilegiando-se, para tanto, os aspectos objetivos do conflito. Nele, as pessoas são desestimuladas a expor e aprofundar suas emoções, sentimentos e vulnerabilidades. São eles vistos como dificultadores do sucesso da negociação, devendo ser contornados ou evitados. Defende-se a separação das pessoas dos problemas[30] e, novamente, o ser e a relação afetiva conflituosa não são trabalhados. Outrossim, não estando as partes assessoradas por um facilitador imparcial com dever de abstenção, mas por terceiros parciais (advogados) movidos pelas verdades, valores e paradigmas do Estado moderno, o desequilíbrio de poder entre elas assume maior peso e criticidade. Em um ambiente em que não sejam concretamente conferidos lugar e tempo de fala, nem os indivíduos estimulados a expressarem seus sentimentos, a se reconhecerem, reaproximarem, reconectarem, exercendo a alteridade, dificulta-se a predisposição ao diálogo, ao encontro com o outro, e se facilita a rivalidade de egos, fundada na crença de que se pode controlar os acontecimentos e a vida do outro, mormente se estivermos diante daqueles indivíduos invisibilizados pelas sociedades modernas ditas civilizadas. Favorece-se a instalação de um novo palco para o exercício de poder e dominação.
Para Warat,
Os juízes, árbitros, os negociadores, o terceiro que ajuda em uma conciliação, intervêm, de modos diferentes, em processos decisórios, e, trabalhos de interpretação para a tomada de decisões. Em todos estes casos, tentam tomar decisões interpretando normas jurídicas, valores morais, princípios e interesses econômicos. Muitas destas decisões apelam para interpretações carregadas de vestígios ideológicos e políticos alheios às partes. Conflitos que se decidem política ou ideologicamente, sem considerar os afetos ou os pontos em que as partes são afetadas.[31]
Aduz-se, assim, que, ao priorizarem uma resposta ao conflito submetido e o fazerem com base em padrões jurídicos e ideológicos hegemômicos, a arbitragem, a conciliação e a negociação não acolhem, nem reconhecem o indivíduo em sua complexidade, angústias, emoções e sentimentos, em seu exato modo de ser. Não dissolvem efetivamente o conflito, transformando valores e atitudes egocêntricos, de dominação e poder, em reconhecimento, autonomia e alteridade. Findam por reforçar um sistema excludente, não sendo, portanto, a porta de acesso a uma justiça inclusiva, satisfativa àqueles não alcançados pelo direito positivo.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As referências apresentadas no artigo relatam a frustração do direito positivo e do Estado moderno para alcançarem os indivíduos que não se enquadram em seus parâmetros hegemônicos (inclusive, mas não somente, masculino, branco, cis e heteronormativo), relegando-os a um cenário de invisibilidade e exclusão.
Nesse contexto, entende-se ser a mediação, mais que uma das alternativas para resolução de conflitos, a porta do sistema de justiça adequada para uma possibilidade de amor, reconhecimento e inclusão.
Como sintetizado por Warat[32],
A mediação ultrapassa a dimensão de resolução não adversária de disputas jurídicas. Ela possui incidências que são ecologicamente exitosas, como a estratégia educativa, como a realização política da cidadania, dos direitos humanos e da democracia. […]. A mediação seria um salto qualitativo para superar a condição jurídica da modernidade, baseada no litígio e apoiada em um objetivo idealizado e fictício, como é o de descobrir a verdade, que não é outra coisa que a implementação da cientificidade como argumento persuasivo.
Calcada no respeito à pluralidade, na valorização do ser humano em sua identidade e subjetividade, no diálogo e no entendimento, a mediação é o método que abre espaço para a superação dos paradigmas jurídicos formais e para a criação de novas possibilidades e modelos de compreensão de justiça e direito, que efetivamente contemplem a todos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS