Participei recentemente do tradicional curso de liderança em escritórios de advocacia, da Harvard Law School – HLS. Meus colegas, de 18 nacionalidades diferentes, eram líderes dos principais escritórios de advocacia globais, com experiências tão amplas quanto exclusivas, sendo impossível não se impressionar. Como certa vez disse Nizan Guanaes, Harvard não ensina nem trabalha com modéstia, tudo inspira e desafia para a excelência. Com o método de estudo de casos reais incríveis, e guiados pelos excepcionais professores David B. Wilkins e Scott A. Westfahl, debatemos os principais desafios atuais da advocacia, tais como: conciliar os papéis de líder do negócio e advogado especializado; formar equipes vencedoras; trabalhar com colaboração; marketing; gestão sob pressão e inovação. Dentre os cases, discutimos, por exemplo, a mudança do acordo societário e sistema de distribuição de lucros do Mattos Filho – o sócio Roberto Quiroga foi ex-aluno do programa – o qual comprovou que o Brasil também tem boas práticas para compartilhar.
Os cases são o material de estudo do programa, enriquecido com os alunos se colocando no centro do debate, com suas visões e experiências. As culturas, valores e modelos de trabalho dos escritórios eram diferentes, mas os desafios eram os mesmos. O aumento feroz da concorrência e a dificuldade dos escritórios se posicionarem foram as inquietações mais recorrentes.
Vários fatores foram reconhecidos como causas do aumento da concorrência entre os escritórios: a) a diminuição da demanda por serviços jurídicos, como retrata o crescimento da estrutura e da atuação dos departamentos jurídicos, internacionalizando serviços historicamente terceirizados para escritórios de advocacia, como mostra a pesquisa da Altman Weil. No Brasil, o Relatório Justiça em Números 2019, anualmente divulgado pelo CNJ, mostrou que mesmo com nossa cultura contenciosa, em 2018, pela primeira vez, quebramos a série histórica de aumento do número de novas ações judiciais propostas, com uma queda de 1,9% em relação ao ano de 2017; b) o crescimento das lawtechs, que, se por um lado, apoiam os escritórios com bastante êxito em serviços de captura de informações, análise de jurisprudência, jurimetria, predição de resultados, dentre outros, também fornecem diretamente ao mercado parte dos serviços que esses mesmos escritórios usualmente realizam, como mediações e acordos on-line, além de revisão e confecção de contratos e petições; c) aumento da atuação de contadores e consultores, como as big four, que realizam muitos serviços que historicamente são executados por escritórios de advocacia; d) constante pressão de clientes por redução de custos, colocando o preço como principal critério de escolha de prestador, em detrimento de experiência, segurança ou serviços agregados, comoditizando os serviços dos escritórios.
Todos esses pontos acirram a concorrência e empoderam ainda mais os contratantes de serviços jurídicos na condução do mercado. A única forma de um escritório prosperar é encontrar seu diferencial competitivo que o posicione como um fator de escolha natural do cliente pela singularidade dos serviços prestados. E como enfrentar esse desafio é a pergunta para a qual buscamos a resposta em cada caso estudado. Embora as medidas e ações concretas executadas tenham se mostrado algumas vezes bastante antagônicas, o padrão das empresas que mais prosperaram foi ter uma estratégia clara e alinhada entre todos os departamentos, além de uma liderança forte que a defina e execute.
É a estratégia que vai sempre guiar a tomada de cada decisão do escritório, desde o conteúdo dos serviços prestados, política de contratação de pessoas, aceitação de clientes e precificação, ao estilo de gestão e liderança. A estratégia define como a empresa vai ocupar um espaço único no mercado para alcançar sucesso sustentável a longo prazo. É sobre realizar escolhas difíceis, o que fazer e principalmente o que não fazer. É ela que permite aos clientes e concorrentes saberem as capacidades especiais e distinções da empresa; identificar as melhores oportunidades; auxiliar os líderes na tomada das decisões; afastar distrações etc. Quanto mais as pessoas e os departamentos estão alinhados à estratégia, melhor é a performance do negócio. Conhecer bem o mercado e as necessidades dos clientes é a principal base de informação para a liderança definir o que fazer.
O case do escritório novaiorquino Wachtell, Lipton, Rosen& Katz foi uma aula de estratégia. Anualmente considerado um dos mais prestigiosos escritórios americanos – nos últimos cinco anos, atuou em seis das dez maiores transações globais – ficou famoso ainda na década de 80 por ter inventado a poisonpill, cláusula de defesa utilizada contra tomadas hostis de controle acionário.
Seu posicionamento é entregar resultados verdadeiramente extraordinários, em casos criteriosamente selecionados, “clients’ most important problems”, para os quais seus advogados precisam de profunda atenção, larga experiência e sofisticação. O escritório nunca aceita contratos abertos para serviços recorrentes com determinados clientes, apenas casos pontuais.
O caso mostrou o quanto as decisões gerenciais do Wachtell, Lipton estão perfeitamente alinhadas com os 7´S (Strategy, Structure, Systems, Staff, Skills, Style and Shared Values). A título de exemplo, eles atuam apenas em poucas áreas, aceitando casos onde podem realmente fazer a diferença; promovem extensivo trabalho colaborativo entre advogados excepcionais, selecionados a partir das principais universidades americanas, com trabalho em base de força-tarefa. Não costumam contratar advogados prontos no mercado para não permitir uma interferência em sua cultura; seu modelo de remuneração é locksteps¹, o que garante padronização, prestigia o trabalho em equipe e elimina a competição entre departamentos, ao contrário do que acontece usualmente com o sistema eat what you kill²; ademais, promovem a inovação como elemento indissociável para enfrentar os problemas realmente singulares que se envolvem.
Eles sabem que a complexidade de cada caso não permite simplesmente encaixar soluções prontas de outras experiências; têm orgulho de ser “pequenos”, com uma única unidade, onde trabalham na razão de 1 (um) associado por sócio, um modelo praticamente inexistente entre os escritórios líderes mundiais; têm modelo de cobrança de honorários fixos baseados no tamanho da complexidade dos casos e não por horas trabalhadas etc. Tudo isto fez com que se tornassem o escritório de advocacia mais lucrativo do mundo (impressionantes US$ 3,2 milhões de receita por advogado/ano), um feito inspirador, mas difícil de repetir. Exemplo do que Harvard não tem constrangimento em ensinar.
Evidentemente o Wachtell, Lipton tem feito as escolhas certas e executado corretamente o que planejou. A lição que se extrai é que suas decisões foram assertivas por estarem alinhadas à visão do posicionamento desejado e do que não fazer para se afastar dele, tudo sob o comando de uma forte liderança. Por outro lado, também não faltam casos de escritórios globais de sucesso que têm modelo de negócios completamente antagônicos ao do Watchell, Lipton, mas prosperam justamente porque suas decisões também estão alinhadas ao posicionamento que buscam, porque as necessidades dos clientes não são sempre as mesmas.
Com resultado bem diferente, estudamos também o case do escritório canadense Heenan Blaikie LLP, que, embora fosse considerado um dos melhores escritórios trabalhistas do mundo, com boa rentabilidade e ótimo ambiente de trabalho, sofreu duramente com a nova geração da liderança. Com foco em crescer, mas sem estratégia clara, o escritório passou a investir em múltiplas áreas, com a incorporação de novas operações e muitas contratações de advogados vindos de outros escritórios, com visão do negócio bem divergente. Como descreveu um dos antigos sócios: “O que faltou foi um plano estratégico que dirigisse as decisões, fosse aplicado com rigor e que todos seguissem o mesmo caminho.”. A falta de estratégia terminou implodindo a cultura do escritório, o que causou a saída de mais de 50 (cinquenta) sócios, em menos de um ano, seguida da dissolução societária.
Um escritório de advocacia só constrói uma estratégia sólida com uma liderança forte e inspiradora, com visão, empatia e disciplina necessárias para decidir, manter-se firme e executar as mudanças de que o negócio precisa para atender às necessidades dos clientes. Os líderes são os arquitetos das empresas.
A estratégia é um compromisso a ser cumprido por todos que integram o escritório, mas de forma alguma significa uma decisão imutável ou não adaptável. Contudo, os ajustes e transformações não podem ocorrer ao acaso, ao sabor das oportunidades, mas, baseadas nas escolhas refletidas da liderança. Não falamos apenas de tecnologia. O mercado muda, problemas novos aparecem, os anseios da equipe e demandas dos clientes se transformam em ciclos cada vez mais rápidos. Dificilmente uma empresa prospera no longo prazo com cultura excessivamente conservadora, sem inquietação e experimentação.
Vimos, por isso, que um ponto comum entre escritórios que prosperam é a capacidade de se reinventar, de definir e executar com muita eficiência sua estratégia de criar diferenciais competitivos. Isto explica por que na publicação innovative lawyer, do Financial Times, constam tantos escritórios com décadas de expressivo êxito revisando constantemente seu jeito de ser.
No citado case do Mattos filho, por exemplo, foi-nos apresentada a radical transformação de seu modelo de participação societária e distribuição de lucro, porque Roberto Quiroga, líder à época, anteviu que o próprio sucesso e a valorização de suas quotas tornariam financeiramente proibitiva a entrada de novos sócios. Ou o case do escritório inglês Allen & Overy LLP que, durante a crise de 2008, implementou uma difícil reestruturação de sua sociedade, com a saída compulsória de dezenas de sócios e revisão da participação de outros.
Uma coisa que aprendi com o programa de leadership in a Crisis é que o líder não pode jamais desperdiçar uma urgência para implementar as mudanças necessárias, principalmente as que envolvam decisões difíceis. O curso tem a finalidade de contribuir para a formação dos líderes a fim de que possam ser agentes de mudança e prosperem. Então vamos agir, porque felizmente não nos faltam desafios e nada melhor que um punhado de dúvidas e a certeza de que ficar parado não as resolve. Vamos aproveitar para ter senso de urgência, colocar ordem na casa e programar o futuro.
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¹ Por esta forma de remuneração os sócios e associados são remunerados conforme a respectiva senioridade, com critérios de progressão, como idade ou tempo de formado. Todos que estão no mesmo nível recebem a mesma remuneração.
² Por este modelo o advogado é remunerado preponderantemente pela sua performance individual, por exemplo, clientes conquistados, horas trabalhadas, faturamento gerado para o escritório.