A Lei Complementar Nº 208, de 2 de julho de 2024, introduziu alterações significativas no Direito Financeiro, notadamente quanto ao CTN e a lei 4.320/64. Ainda, regulamenta sobre a gestão de créditos tributários e não-tributários pelos Entes Federados.
A seguir, destacamos os principais pontos da nova legislação:
1) Cessão de Créditos Tributários e Não-Tributários
A lei autoriza expressamente a cessão de créditos tributários e de créditos não-tributários por parte dos Entes Federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) a entidades privadas ou fundos de investimento regulamentados pela Comissão de Valor Mobiliários (CVM). Essa medida visa proporcionar maior liquidez aos cofres públicos, permitindo que créditos que, por qualquer razão, não foram pagos pelos devedores possam ser transferidos a terceiros, mediante condições previamente estabelecidas, as principais:
- Preservar a natureza do crédito;
- Manter inalterados os termos da constituição do crédito, como exemplo, o vencimento; critérios de atualização/correção monetária e aplicação de juros e multa;
- Assegure ao Ente Público a prerrogativa de cobrar o crédito de forma extrajudicial e judicial;
- Ser autorizada pelo chefe do Poder Executivo ou autoridade administrativa cuja competência foi delegada;
- Realizar a cessão 90 (noventa dias) antes do encerramento do mandato do chefe do Poder Executivo;
- 50% da receita deve ser destinada a receitas com a previdência social;
Essa alteração é estratégica para a gestão da dívida pública, uma vez que facilita a recuperação de valores devidos ao erário, notadamente pelo fato de possibilitar a efetividade na obtenção de recursos e “liquidez” nos cofres dos Entes Públicos.
2) Protesto Extrajudicial como Causa Interruptiva da Prescrição
Uma das mudanças mais impactantes trazidas pela Lei Complementar 208 é que além do protesto judicial, o protesto extrajudicial também interromperá o prazo prescricional da dívida.
Antes
Art. 174 - A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.
II — pelo protesto judicial;
Depois
Art. 174 - A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.
II — pelo protesto judicial ou extrajudicial;
Isso significa que, ao registrar o protesto de uma dívida, o prazo de prescrição é interrompido, começando a contar novamente a partir do ato de protesto.
Essa modificação fortalece os mecanismos de cobrança extrajudicial, conferindo maior poder à Administração Pública na busca pela recuperação de créditos e objetivando incomodar o devedor a ponto de compelir o pagamento, notadamente após a implementação da Resolução n.º 547 do CNJ. Isso porque, a partir do protesto do título, o devedor sofrerá com a obtenção de créditos, emissão de certidões negativas, regulamentação de estabelecimentos, dificuldade na venda de bens móveis e imóveis, entre outras.
Por outro lado, o fato de o protesto extrajudicial interromper a prescrição do crédito, traz consigo um tema controverso, haja vista que aumentará a possibilidade da cobrança “infinita”, notadamente pelo fato de o prazo “zerar” e recomeçar a contar a partir do ato do protesto e, por conseguinte, poderá retroceder os avanços alcançados para efetivar a cobrança desses créditos na seara administrativa, privilegiando o reconhecimento da ineficácia e morosidade das execuções dos créditos tributários e não-tributários.
3) Requisição de Informações Sigilosas pela Administração Tributária
A nova lei também amplia os poderes da Administração Tributária ao permitir que esta requisite informações sigilosas de entidades e órgãos públicos ou privados (quebra de sigilo fiscal), desde que essas informações sejam necessárias para o exercício das suas funções institucionais.
“Art. 198
§ 4º Sem prejuízo do disposto no art. 197, a administração tributária poderá requisitar informações cadastrais e patrimoniais de sujeito passivo de crédito tributário a órgãos ou entidades, públicos ou privados, que, inclusive por obrigação legal, operem cadastros e registros ou controlem operações de bens e direitos.
§ 5º Independentemente da requisição prevista no § 4º deste artigo, os órgãos e as entidades da administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes colaborarão com a administração tributária visando ao compartilhamento de bases de dados de natureza cadastral e patrimonial de seus administrados e supervisionados.” (NR)
Com a implantação dos novos parágrafos ao CTN, a Fazenda poderá solicitar informações de cadastro e de patrimônio dos devedores (sujeito passivo dos créditos), mais uma maneira de “quebrar o sigilo fiscal”.
Nesse sentido, o Serasa, administradoras de condomínios, entidades, como exemplo, deverão fornecer essas informações sensíveis ao Fisco, sem prévia autorização/ordem judicial. Além disso, as agências reguladoras, órgãos fiscalizadores, entre outros, poderão disponibilizar acesso ao fisco do acervo de dados das pessoas jurídicas submetidas a fiscalização e registro, por exemplo.
Essa medida visa combater a sonegação fiscal e aprimorar a eficácia das ações fiscais, garantindo que as autoridades tributárias tenham acesso a dados relevantes para a correta fiscalização e cobrança de tributos, ou seja, tornar cada vez mais efetiva a cobrança do crédito e localização de bens disponíveis a penhora.
No entanto, em que pese a quebra do sigilo dos contribuintes passarem por julgamento e aval do STJ, notadamente na fixação do tema de repercussão geral de n.º 225 (sigilo bancário), bem como dos julgados das ADIs n.º 2390, 2386 e 2397, tal fornecimento de informações não poderá ser realizado indiscriminadamente.
Vejamos a Tese do Tema 225:
I — O art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, ao realizar a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal; II — A Lei 10.174/01 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, tendo em vista o caráter instrumental da norma, nos termos do artigo 144, § 1º, do CTN.
Nessa toada, é importante ressaltar que o compartilhamento de informações que dispõe o novo parágrafo §5º do artigo 198 do CTN, deverá ocorrer, por óbvio, mediante prévia instauração de um procedimento, desde que devidamente comprovada a imprescindibilidade dessa medida específica e respeitando os requisitos legais de acesso e preservação das informações, especificamente, no que diz respeito a LGPD:
“À garantia constitucional de proteção de dados, não deverá ser indiscriminado, mas motivado, nem eterno, mas por prazo certo e determinado”.
Por Rafael Padela Alvarenga